As novelas são uma
arte diferente. Não são documentário, mas pretendem simular a vida real. Não são literatura mas têm romance, personagens, diálogos e contam uma história. Não são cinema mas usam imagem, fotografia, enquadramento, figurino e cenário para emocionar, encantar, criar uma ilusão.
Assim como aconteceu com o
carnaval e com a
pizza, o Brasil conseguiu desenvolver um modo muito particular de fazer novelas, diferente do modo como o resto do mundo faz. Refiro-me logicamente à rede Globo, líder de audiência que em muitos e muitos anos de prática (a produzir no mínimo três novelas por dia) conseguiu chegar a um patamar de excelência não apenas almejado por várias emissoras (que ainda produzem cenários que parecem de papelão e têm o triste fardo de contratar os piores atores do mercado), mas também exportado para o mundo todo. Cá entre nós, críticas à parte, nossas novelas globais até que não fazem feio se compararmos com seriados, novelas e outros programas da tv mundial que chegam até nós via TV a cabo.
Fato é que a TV Globo, ainda neste quesito líder de audiência, tem dinheiro para contratar os melhores profissionais que incluem desde os operadores de câmera, diretores, atores e preparadores de elenco, construir os cenários mais realistas e detalhados e investir em equipamentos muito caros como as câmeras que têm um determinado filtro que faz a imagem sofrer um embelezamento, ou seja, a pele dos atores fica sedosa, com um brilho acetinado.
Quem me conhece deve estar estranhando, pois passo longe de ser uma noveleira. Mas elogios são o justo contraponto às corriqueiras críticas que podem ser tecidas frente a defeitos que minha opinião tornam algumas novelas intragáveis: o péssimo roteiro, repleto de clichês, diálogos fúteis, reviravoltas desnecessárias só para encher linguiça, merchandising explícito, etc. e etc.
No entanto, em meio a tantos mecanismos que fazem as telenovelas globais produto de natureza controversa, é possível pressentir a arte, fenômeno que quando menos se espera arrepia os poros do telespectador atingindo de modo implacável o campo da subjetividade. Não se sabe bem o porquê, em alguns casos algumas novelas movimentam sentimentos, pensamentos e comportamentos, lançando um sutil convite à devoção. E quando menos se espera você está imerso num ritual diário muito natural, suave, que não te exige muito raciocínio, só seus olhinhos abertos e conectados às cenas. Você viu a
cena do acidente que Manuela e Ana sofreram em
A Vida da Gente?
O mote a partir do qual a maioria das novelas são escritas não me agrada mas essa novela por diversos e difusos motivos entrou para o rol de favoritas ao lado de
Que Rei Sou Eu?, Vamp, A Lua Me Disse e Cordel Encantado.
Primeiro, ousadamente ambientada no sul do Brasil, deleitou os olhos de quem vive no eixo Rio-São Paulo e já curte o suficiente as paisagens cinzentas e poluídas das grandes cidades. Transitando no clima provençal de
Gramado e Porto Alegre a cenografia foi impecavelmente delicada, primorosa. Dona Iná morava numa espécie de casa de bonecas, mas praticamente todos os personagens, cada um no seu estilo, morava em lares repletos de referências altamente desejáveis e atuais em termos de decoração: padronagem floral nos tecidos, petit poás, listras, peças de patchwork, crochê, papel de parede, tons pastéis, paredes repletas de quadrinhos ou pratos decorativos, luzinhas com copinho em formato de flor, abajur feito com xícaras sobrepostas inspirado no filme Alice... (suspiro). Cada detalhe parecia evocar a doce ilusão olfativa de que a qualquer momento um bolo de laranja quentinho sairia do forno ao cheirinho de café fresco. Aliás,
Fernanda Medeiros dedicou um
post em seu
A Casa Que A Minha Vó Queria com as fotos da casa da dona Iná!
Também chamava a atenção a fotografia e a música, e o enquadramento sempre emoldurado por algum objeto muito característico do cenário de modo a ressaltar a imagem central das cenas. Se não me engano o núcleo responsável pela novela pertence ao diretor da
Casa das Sete Mulheres, preciso dizer mais? Mesmo assim, eu digo: a autora da novela é fã de
Clarice Lispector, daí que toda a trama se desenrolou em torno de conflitos psicológicos, reverberações introspectivas sobre fatos "tabu" da vida, revisões sócio-culturais sobre a quebra de paradigmas especialmente dos papéis exercidos por homens e mulheres nos campos profissionais, familiares, amorosos.
O texto se alongou demais... acho que me empolguei ao falar da obra. É a saudade. Talvez os posts por aqui fiquem mais frequentes agora que minhas tardes estão vazias (Fazendo um pouco de drama).
Falando em casa de boneca, esta imagem em surrupiei do catálogo da
Kleiner Schein fábica de móveis de Santa Catarina. Se você der uma olhada no site e morar em São Paulo como eu vai se arrepender amargamente de morar tão longe e depender de lojistas representantes da fábrica que enfiam a faca.